Um curto desabafo: Divertida Mente e as memórias que te definem

Emerson Rocha
4 min readSep 20, 2019

Feche os olhos, respire fundo e atentamente ouça e sinta a sua respiração fluir pelo seu corpo. Visualize a sua memória mais latente, a primeira que vier, da sua infância. É uma memória feliz? Ela te traz melancolia? Nostalgia?

Talvez, essa primeira memória diga muito sobre quem você é hoje.

Quando se é criança, você tem a vantagem impagável de estar fazendo uma leitura de tudo pela primeira vez, o que significa que as experiências são essencialmente puras, enquanto as suas reações também são cruas: a alegria, a tristeza, a raiva, a aversão, o medo. Subsequentemente, aprendemos a armazenar os dados das nossas interações com o mundo e com as pessoas, e é assim que processualmente formamos a nossa personalidade. Aportados nela, desenvolvemos hábitos que nos aproximem ao máximo de um reforço de sentimentos positivos, a medida que nos distanciamos de situações que nos deixem vulneráveis.

Existem dois hábitos que eu perdi no distanciamento da infância e que gostaria de endereçar nesse texto.

O primeiro, timidamente transformador, o hábito de explorar filmes sem qualquer olhar crítico sobre sua qualidade. Na infância, provavelmente o gatilho de maior influência na minha personalidade foi o costume de assistir compulsoriamente inúmeros filmes numa semana, por repetidas vezes e de diferentes temas. Eu me lembro que a coisa mais empolgante sobre um dia seria pedir um trocado a algum adulto e ir na feira comprar pelo menos três daqueles DVDs que vêm em capa de plástico, no desconto de 3 por 5, e você sabe, você tinha que confiar na capa e na curta sinopse — sem trailers ou reviews. No meu auge, eu gostava tanto de animações que criei o meu próprio estúdio, praticamente imaginário, só pra deixar escapulir um pouco daquela maravilha idealística que eu sentia. Eu tinha um site no Wix e realmente achava que seria responsável por criar a próxima Pixar.

Talvez, com a era do streaming e a possibilidade de entender muito sobre um filme antes de vê-lo, eu passei a me preocupar muito com o tempo que gastaria vendo algo potencialmente ruim, e acabei me deixando perder esse hábito explorador: me tornei uma pessoa completamente seletiva, fechada às possibilidades de descoberta oferecidas pela 7ª arte.

Quando você se torna seletivo e o seu kit de reações já é muito moldado, você corre o risco de se tornar uma pessoa fechada, em alguns aspectos.

É provável que o segundo hábito perdido seja parte da conjuntura que o primeiro desencadeou. Quem está na minha vida há muitos anos pode contar diversas histórias que ilustram o quanto eu sempre fui reflexivo, questionador e espirituoso, e o quanto gostava de expressar isso. Quem não está, certamente só precisar descer um pouco o meu feed no Facebook para alguns anos atrás e ver o quanto eu gostava de deixar os meus pensamentos por aí.

Em algum momento da minha transição tardia e ingênua à vida adulta, eu percebi que esse hábito auto-expressivo podia ser um reforço social negativo, e eu passei a ter medo de ser ouvido.

Estimo que o medo de ser ouvido me trouxe à tona o medo de ser visto, e não me permitir ser visto me fez não me enxergar ou me reconhecer como antes, perante eu mesmo.

O que antes eram paixões e anseios passaram a ser memórias intocadas de um passado que aparentemente não dialoga mais com a realidade de hoje, e aí que se origina uma realidade desanimada.

A coisa que me incomoda sobre isso, é que essas coisas são a minha essência, e eu bem sei há anos que caminhar no mundo sem a sua essência é como tentar encontrar um filme que você viu há anos e não lembra o nome em uma locadora — no fim, você se cansa e acaba escolhendo o que tiver de mais conveniente.

Não me reconhecer plenamente e ainda assim sentir o chamado da essência me coloca num conflito interno cuja sensação é de lidar com uma incógnita.

O que eu fiz hoje, tentando fugir do burnout da realidade, foi que eu decidi ver algum daqueles filmes aleatórios que se coloca na lista e são esquecidos. Por acaso, o filme foi Divertida Mente, que é uma ilustração brilhante de como as emoções governam a nossa personalidade, as nossas ações e interpretação do mundo.

Estou tão feliz que escolhi fazer um brinde ao primeiro antigo hábito hoje.

Mas também senti que não faria sentido guardar isso pra mim, e cá estou, revivendo o segundo velho hábito.

A verdade é que mudamos, e sempre vamos mudar pra uma forma que faça mais sentido pro que estamos vivenciando hoje. Mas hoje eu aprendi que as memórias servem pra nos lembrar de quem sempre fomos, de qual é a nossa essência, quem e o que amamos, o que odiamos e o que esperamos mais destemidamente.

Mais que isso, eu aprendi que as experiências tristes são gatilhos pro nascimento de memórias boas.

A gente precisa se reencontrar com as nossas memórias e dialogar com as nossas emoções. O meu jeito de fazer isso sempre foi escrevendo e tirando fotos. Qual é o seu? Hoje, eu prometi não deixar mais que o medo de não ser o suficiente ou relevante me afaste disso. No fim, é autêntico ser quem si é, apenas por ser, não é mesmo?

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