Por que Taylor Swift não vêm ao Brasil?

Emerson Rocha
8 min readAug 15, 2019

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Entenda os trâmites por trás de eventos desse porte e os potenciais resultados com a vinda de uma turnê de Taylor ao país

Taylor Swift performando “Welcome To New York” na 1989 World Tour

Nos últimos meses (ou anos), o fandom brasileiro tem sido açoitado com o vêm-não-vêm da nossa querida Taylor e sua força de vontade de lua para trazer uma turnê ao Brasil/América Latina.

Eu, como um admirador dos processos de logística e design que envolvem produções artísticas (como turnês), sempre notei a falta de explanação de informações técnicas a respeito do que impede a tão sonhada tour de vir pra cá. Você já deve ter ouvido alguns palpites: falta de interesse, burocracia, incerteza de público, mamma swift xenofóbica, entre outros.

Acontece que o processo vai um pouco mais a fundo, e o intuito desse artigo é debater as razões que implicam na realização de shows da Taylor (e até mesmo de outros artistas) aqui e quais seriam seus potenciais cenários (público, lucro), trazendo mais clareza aos fãs que ainda não tem tanta noção do processo.

Para isso, vamos dividir o artigo em partes:

As partes interessadas

Se você pensa que tudo isso depende exclusivamente de Taylor, saiba que muito provavelmente ela é a pessoa que menos influencia no processo, se considerarmos toda uma conjuntura geral que envolve os empresários, empresas, acordos e outras circunstâncias para fechar um contrato. Turnês são, de fato, concebidas essencialmente a partir da visão do artista. No entanto, o trabalho de tornar essa visão única em algo concreto e aplicável depende de centenas de pessoas e de vários contextos, e é aqui que chegamos na nossa primeira stakeholder: Taylor. As turnês e todo o trabalho de Taylor no geral são muito conhecidos por dois fatores: sua impecabilidade e o seu potencial de evolução em relação ao trabalho anterior. É por isso que a 1989 World Tour foi maior e melhor que a Red Tour, e a reputation Stadium Tour foi muito superior à 1989 Tour: é esperado de Taylor Swift, como artista e como marca, se superar, e estamos falando de padrões muito altos e um mercado competitivo, que é são os Estados Unidos. Por esse motivo, todo o trabalho de Taylor é centrado lá, no mercado local e nos fãs locais. Não seria diferente com a sua turnê, que tem toda a logística pensada para funcionar no contexto americano. Qualquer versão internacional disso é apenas uma adaptação (igualmente bem pensada e interessada) da turnê, e é de se esperar que o país a ser adaptado ofereça condições semelhantes aos EUA.

Por isso, falando de padrões altos, Taylor não vai e não deve reduzir o potencial do seu trabalho para caber em mercados menores. É muito comum e quase mandatório aqui no Brasil que turnês vindas de fora venham com as suas estruturas reduzidas para viabilizar os custos e logísticas: mas lembrem-se, é Taylor, e os seus concertos são essencialmente experiências pensadas em cima de padrões altos. Para ela, não faz sentido trazer algo incompleto e distante dos seus padrões. E é por uma lógica mercado, sim.

Isso me leva ao próximo ponto, que é:

O mercado brasileiro

Enquanto nos EUA o padrão de shows da Taylor se torna mais alto a cada dois anos juntos com os seus álbuns (e os valores dos ingressos), o mercado brasileiro e latino-americano no geral ainda engatinha para acompanhar a evolução da indústria em países desenvolvidos. Qualquer esforço para trazer algo maior do que o país costuma criar/receber envolve um dispêndio absurdo, e sendo honesto, é muito raro que ele se vingue, afinal, em uma digressão com cronogramas apertados e receitas calculadas, o que você menos precisa são dispêndios. Pra citar um pouco do processo, vamos começar da base, no próximo tópico:

As negociações

Puxando o gancho do tópico 1, há mais partes interessadas a se discutir: em primeiro lugar, se você pensava que a equipe da Taylor (Taylor Nation, 13 Management ou até os representantes da gravadora) que definiam os lugares e gerenciavam as negociações, bom, não é bem assim. Essas partes fazem mais um trabalho de definir os parâmetros da tour, alguns acordos de licenciamento etc. Mas a ponte entre Taylor e os mercados locais é a agência promotora da turnê, que internacionalmente é a Live Nation. A Live Nation possui o árduo trabalho de lidar com negociações com empresários, acordos comerciais, definição da logística e trâmites legais. Pra realizar isso, é fundamental que produtoras locais sejam contratadas. Com mais essa ponte, alguns dos passos envolvem:

  • plano logístico (transporte da estrutura)
  • plano de segurança (da carga, da equipe e dos espectadores)
  • alvarás e afins legais
  • patrocinadores e outros contratos
  • divulgação e marketing
  • vendas (terceirizada)
  • recursos humanos (assistentes, montagem, transporte etc)

Aqui já estamos falando de em média 10 empresas contratadas no processo — o que expande os custos e dispêndios muito além do que seria necessário nos EUA ou de forma mais ineficiente do que seria em um mercado desenvolvido e eficaz. Junte isso ao fato de que as expectativas de lucro no Brasil/América Latina são muito mais baixas do que nesses países, o que leva ao próximo tópico:

Custos e receita média da turnê

Agora é a parte mais interessante desse da matéria. Fiz algumas pesquisas sobre as escalas de turnês da Taylor em números, infelizmente não encontrei várias informações necessárias para fazer cálculos mais acurados, porque de fato essas informações são destinadas ao setor corporativo. De qualquer modo, com o que temos disponível é possível prospectar facilmente a média de custo/receita que a Taylor teria por aqui.

Como base pros nossos cálculos, vamos utilizar números da reputation Stadium Tour e 1989 World Tour, no Allianz Parque, em duas noites, como referência de valores.

  • Começando pelo transporte da turnê, apenas para a estrutura, seriam necessários em média 6 aeronaves Boeing 747 para trazer a rep Tour pro Brasil + 67 caminhões em média para transportar a carga até o estádio. O modo mais simples de fazer isso seria contratar uma empresa de logística internacional para o transporte aéreo e uma (ou mais) nacional para o transporte rodoviário. Pro aéreo, segundo dados do World Bank, o valor para transporte de um quilo de carga por vias aéreas fica entre US$1,50–4,50. Não encontrei valores oficiais abertamente em nenhuma companhia de transporte, assim como não encontrei pesos oficiais de turnês da Taylor, mas usarei a média de $4 (que a mesma fonte indica como frequente) + 40 mil libras de peso (18143.69kg) da hélice giratória da 1989 Tour, que foi o único valor referencial de pesos na turnê que encontrei, e estimando que a estrutura de uma turnê como a rep Tour seja em média 10x mais pesada que aquela hélice.
  • Portanto, temos: (10 . 18143.69 ) . 6 . 4 = 4.354.485,6. Com isso, vemos que, em média, para trazer a estrutura para cá, sem considerar localizações específicas e impostos alfandegários, ainda sem considerar que a carga frágil usualmente aumenta o valor final, seriam necessários +4 milhões e 300 mil dólares para realizar tal operação, ou praticamente 17 milhões de reais. Ressalto que esses são valores especulativos e que cada caso é um caso, mas fica a ideia.
  • Para o transporte terrestre a situação seria bem mais tranquila. Considerando que os aviões chegariam no aeroporto de Viracopos em Campinas-SP, para São Paulo, tomei como base a “Diavanti Soluções Lógisticas LTDA”, que realiza o trajeto a partir do aeroporto até SP por R$900 o caminhão, que em 67 caminhões totaliza R$60300. Esse também é um cenário bastante especulativo, pois não sabemos os valores reais da turnê e seus trâmites.
  • Agora que já enfrentamos trânsito e fugimos do roubo de carga após pagar um seguro bem alto, com a nossa carga dentro do Allianz, precisamos pagar pelo uso do estádio, certo? Duas noites no estádio saem por R$ 300 mil.
  • Adicione custos operacionais (como alguns guindastes para montar a estrutura) e contratação de pessoal e essa conta fica bem mais alta. Felizmente, é aí que entra o papel dos patrocinadores. Não temos como saber quanto seria investido, mas com certeza uma boa parcela do valor seria coberto em troca de parcerias e divulgação etc.
  • Vale lembrar que existem muitos outros custos, como a hospedagem de todo o pessoal da turnê em um hotel muito bom, alimentação do pessoal, custos médicos, enfim, é muita coisa mesmo.
  • Por último, a média de receita do show. Os shows da Taylor sempre tem cadeira pra todo mundo, e a capacidade do Allianz para shows com pista sentada é de 40.000 pessoas. Vamos precisar ser gentis com a Taylor aqui e considerar uma média geral de $137 da última turnê, ou 590 reais por ingresso, uma vez que o Allianz não divulga sua capacidade por setor. Nisso, temos 40000 . 137 = 5.480.000 dólares, ou 21 milhões e 300 mil reais de receita. Em duas noites, teríamos 42 milhões e 600 mil reais arrecadados. Esse valor está abaixo da média de receita por show da Taylor na última turnê, e resgatando conceitos de finança básica, receita não representa necessariamente lucro, e nesse caso, como os encargos nacionais são maiores, o lucro é bem menor que a média que Taylor está acostumada.
É assim que funciona.

Conclusão: A estratégia de Taylor para se manter em alta

Sim, trazer a turnê para o Brasil não é estrategicamente bom para a Taylor, à priori. Digo isso porque, sim, ela poderia gastar seu tempo e energia fazendo turnê em lugares que são mais lucrativos e mais fáceis de lidar — NO ENTANTO, eu visualizo outra estratégia que a Taylor está tentando embarcar nessa era e parece ter deixado de lado nos últimos anos: angariar novos mercados. O conceito das turnês foi pensado essencialmente para divulgação de álbuns, mas com as mudanças nos hábitos de consumo de música, a coisa se inverteu e os lucros da indústria hoje são sobre-concentrados nas turnês, e os álbuns servem apenas como material para justificar a sua realização. Isso pode funcionar para mercados fortes e bem conectados, onde o artista se encaixa bem com o público, mas em mercados mais específicos (como o brasileiro), uma divulgação local e mais massiva se faz necessária pra fortalecer e consolidar o nome do artista no cenário nacional. Taylor parece ter deixado isso de lado nos últimos anos, por isso a fama de “Only U.S”, mas ela está correndo atrás. Infelizmente não é tão simples assim e isso envolve abrir mãos de alguns lucros imediatos, porque é um investimento a longo prazo que o artista faz em seu próprio nome.

Taylor na Red Tour

Aguardamos ansiosamente a noite em que esse par de olhos azuis vai conhecer o brilho afetuoso de 40 mil fãs brasileiros, cujos corações há muito tempo pulsam as letras de Speak Now e dançam estouvadamente ao pop de 1989 como parte trilha sonora de suas vidas.

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