Encontrar ele, o amor, e ser amado

“A vida é mesmo coisa complicada, uma bobagem, uma irrelevância, diante da eternidade, do amor de quem se ama”
Era por volta das oito da manhã quando essa música — atemporal — do Nando Reais começou a tocar na rádio do aeroporto. Enquanto espero a carona, com o notebook no colo e os dedos reunidos decidindo o que iriam produzir dessa vez, algumas sinapses nervosinhas me trazem um alerta premonitório, que desce fisicamente à espinha, me trazendo um belo lembrete da natureza selvagem interna do homo sapiens: um gostoso calafrio. De alguma forma, essa melodia instantaneamente me trouxe uma reflexão súbita, e tendo passado por isso agora, me parece justo que algumas pessoas interpretem esses momentos de coincidência ensaiada como mensagens do além. Até mesmo eu, um ateu, flertei com a ideia.
“Por onde andei enquanto você me procurava?” É tão interessante pensar em arrepios como gatilhos. Todo disparo traz uma reação instantânea e involuntária — provavelmente um calafrio siberiano na barriga — seguida por um medo que parece pulsar em cada mililitro de sangue do corpo. As emoções e desejos mais selvagens são, de fato, instintivas. Nossos ancestrais, ainda pobres no seu desenvolvimento de sistemas de linguagem e defesa, as usavam como guias para sobreviver as florestas e os seus perigos. Certamente, a maior ironia da pós-modernidade é que somos, em essência, tão selvagens quanto, e não importa qual seja o tamanho do seu “intelecto”, você só precisa de um gatilho instintivo pra baixar a guarda pelas coisas mais aparentemente bobas e irracionais.
Infortunadamente, ainda reagimos aos arrepios e aos medos como nossos ancestrais fariam — fugindo, sob uma ameaça eminente criada pelos nossos sentidos traiçoeiros. É cômico: a sociedade mais avançada da Terra, do sistema solar e possivelmente do universo (se você considerar os parâmetros de Fermi) é regida por emoções primitivas.
Deixando de lado a sagacidade, eu preciso reconhecer que essa é uma das coisas mais bonitas sobre a humanidade, sobre o estágio em que vivemos agora. Nós somos uma conciliação perfeita entre a complexidade, a evolução da linguagem e os instintos primitivos. É por isso que Shakespeare é Shakespeare. Adicionamos beleza e significado a coisas que, essencialmente, são uma combinação de respostas neurais e químicas embutidas em nós com a única finalidade de sobrevivência e reprodução. Talvez, à medida que evoluímos, perderemos mais e mais o contato com os instintos, por mera vantagem evolutiva. Então, caros humanos, que aproveitemos essa época maravilhosa para se estar vivo.
Bom, posso dizer que tenho aproveitado. Muito. Mas não sou imune aos instintos — e não disse que quero. No aeroporto, eu só conseguia involuntariamente olhar para todos os lados esperando veementemente, da forma mais egocêntrica POSSÍVEL, que enxergaria quem eu amo na multidão. Qualquer traço físico que fosse semelhante acendia um calafrio dentro de mim.
Em todos os sentidos, eu sabia que um avião transportando em média 300 pessoas — 300 universos diferentes — não iria simplesmente dar a volta, ou mesmo a pessoa que eu amo não iria parar a sua vida para isso. Mas era eu ali, como uma criança, esperando isso acontecer por motivação de algum acaso misterioso do universo (alô, místicos?). Esperando por aquela mesma sensação de infância, quando você pensa estar perdido dos seus pais em um local público, e de repente, você está salvo e seguro novamente. Como se encontrasse os seus olhos na multidão de estranhos, e fosse um barco em uma tempestade, e os olhos de quem ama, um farol para olhar…
Eu confesso que, por muito tempo, esse medo instintivo correu pelas minhas veias quando o amor disparou em mim. Por meses, eu deixei esse medo me afastar dele, me afastar do que havia dentro de mim e queria puxar raízes até ele. O que eu reinterpretei, posteriormente, é que a sua bala é mais como uma semente, e ela se enraizou no meu coração, floresceu nos meses seguintes e criou um jardim sem que eu percebesse. Hoje, é como se eu abrisse a portilha do jardim, caminhasse descalço delicadamente entre a grama, enquanto o meu olhar está encantado pra baixo com tudo o que cresceu aqui, por debaixo dos meus olhos e marinando na chuva do tempo. Eu não esperava que estaria tão perto de mim. Eu não esperava que a minha casa na esquina seria vizinha dele, e eu não esperava que poderíamos construir um palácio com elas — com jardim e tudo.
A verdade é: algumas emoções são inefáveis. Você não pode simplesmente expressá-las em sua magnitude, por serem experiências completamente subjetivas. O que podemos fazer, no entanto, é criar significados. Palavras, analogias, metáforas, músicas, arte. De alguma forma, eles nos ajudam a não esquecer. Ou a lutar por. É o que nos mantém vivos.
Se antes eu tivesse noção do quanto o seu abraço traz uma sensação de estar perto da lareira acesa, eu não iria desejar tanto o inverno. No fim, o amor é como experimentar o frio de uma noite de inverno na Sibéria num intervalo de 3 segundos, ou sentir o calor do verão inteiro em 30 minutos. Às vezes, é calmo e se renova como o outono. No dia a dia, o sentimento é de primavera, trazendo flores e cor no seu caminho.